O ônibus estava quase vazio. Domingo a tarde. Dia chuvoso, nublado, frio; perfeito para ficar em casa e assistir filme em frente à TV tomando chocolate quente. Mas optei por sair. Cinema. No corre-corre o programa parecia perfeito para a metade do domingo, dia de folga.
Entre uma conversa e outra ali no ônibus, algo me chamou a atenção como um ímã. O ônibus havia parado em um sinal fechado e, no quintal ao lado eu podia divisar uma laranjeira ainda jovem, galhos lançados ao céu como que saudando a pequena névoa que caía sobre si. E, em uma das extremidades de seus galhos pendia uma laranja solitária. Grande, imponente, saudável. Ela parecia reinar naquele mundo todo seu.
Um olhar mais atento me fez perceber uma segunda laranja, do outro lado da árvore. Um pouco menor, mais velha (aparentava os primeiros sinais de amadurecimento); não apresentava a jovialidade da primeira, mas trazia marcas que a outra não tinha. Uma de cada lado. Separadas por uma dezena de galhos e pouco mais de um metro entre si.
Como em um click me vi menino, muitos anos atrás (convenhamos, nem tantos assim), no quintal de minha primeira infância. Eu devia ter pouco mais de quatro anos. E, no quintal de nossa casa, duas laranjeiras imensas. Certo dia, algumas laranjas surgiram, maduras! Meu irmão e eu, ansiosos, acompanhávamos nossa mãe na sublime tarefa de colher aquelas frutas maravilhosas. Redondas. Amareladas. Suculentas. A colheita nos unia de tal forma que éramos um. Uma mesma ânsia, um mesmo desejo, uma mesma reverência diante de algo tão sagrado como o que acontecia ali.
Entendi isso muito mais tarde. Aquela sacralidade, aquela ligação transcendente... aquela espera banhada em expectativas! Poesia e religião em íntima conexão transformando em magia um instante que não parou no tempo, mas que se perpetuou vida afora.
Os poucos segundos, parado ali, no sinal fechado, trouxe até mim uma infância longínqua. Mágica. Eterna.
Jean Lucy Toledo Vieira
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