sexta-feira, 4 de março de 2011

Mordaças

Nunca pensou que o desejo de uma criança pudesse lhe incomodar e questionar tanto. Seria de fato incômodo ou algo que não conseguia dar um nome, o que lhe tomava por completo?

Viu-se sentado no pequeno banquinho de madeira, a irmã no colo, a mãozinha estendida, querendo tocar sua face e os olhos exigindo uma resposta. Os olhos. Os olhos eram o que mais lhe incomodava. Pareciam ver sua alma e tentavam extrair dela uma satisfação para a necessidade.

A impotência avassaladora ganhando espaço dentro de si, saltando do âmbito de seu controle. Mãos atadas diante de quase nada. Mordaças ferozes.

Tentou balbuciar uma desculpa plausível para a irmãzinha, uma satisfação para a negação do que ela queria, mas não haviam palavras que se coordenassem em frases, orações, períodos... havia apenas o fato e a impossibilidade. Esta, imensa diante de quase nada. Pareceu-lhe que o desejo da irmã - tão pequeno - configurava-se em seu sopro vital naquele instante. E ele não era capaz de satisfazê-lo. Era obrigado a negar-lhe o sentido pleno para aquele momento. Por tão pouco. Que não tinha!

Recorrer a quem? Amigos?  Desconhecia o que fossem. Parentes? Tinham apenas um ao outro. Vizinhos? Grades altas demais os isolavam completamente. Grades bem mais fortes e maiores haviam sido construídas dentro dos vizinhos. Talvez a única solução fosse ir às ruas, como já fizera tantas vezes, deixar o pequeno resto de dignidade que ainda lhe cabia, e se humilhar, estendendo as mãos e pedindo uma moeda, enfrentando a frieza e a indiferença da grande maioria dos olhares.

Lançou o olhar para o teto sujo e úmido, na vã tentativa de evitar que o nó na garganta subisse, ganhasse espaço e explodisse em lágrimas. Apertou o frágil corpo da irmã contra si. Dela emanava tênue calor. Beijou-lhe os cabelos despenteados e apertou-lhe as mãos. O coração se apertou junto. O nó na garganta, ainda maior.

Os olhos úmidos da irmã continuavam exigindo uma resposta afirmativa. No fundo, ele sabia, ela já não acreditava que ele fosse capaz de lhe oferecer o que necessitava. Ainda que fosse um tênis caro, uma roupa luxuosa, um brinquedo inatingível... ainda que fosse uma refeição no melhor restaurante da cidade, o ingresso para o maior e mais atrativo parque de diversões.... mas não. Tudo o que ela desejava era ter o chiclete do comercial de tv. E ele não podia comprá-lo!

Jean Lucy Toledo Vieira
jean.csdb@hotmail.com

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