quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O amor encontrou seu lugar

Sempre a encontrava quando ia ou voltava do trabalho: deveria ter por volta de 30 anos, embora aparentasse duas vezes essa idade. Os poucos dentes na boca eram exibidos constantemente em um largo sorriso, distribuído a quase todos que encontrava pelo caminho. Seu nome? Nunca soube. Aliás, nunca soube nada de si, exceto o que minha vã imaginação construía... nunca soube o porquê de ter ido parar nas ruas, se tem/teve família, seu nome, sua idade, sua cor preferida ou o que gostaria de ver na TV, caso tivesse uma.

Certo dia, a vi acomodada na varandinha de uma casa abandonada. Nas paredes, poucas  peças de roupa, encardidas, por vezes molhadas, o que supostamente indicavam que estavam lavadas... no chão uma ou outra embalagem descartável, uma garrafa pet... constituição de todo o seu mobiliário...

Em minha complicada rotina de conciliação de três empregos, que me garantiam certa estabilidade financeira, nunca tive tempo de perguntar seu nome... embora a visse todos os dias. Embora, uma ou duas vezes tenha conseguido perceber seus olhos famintos em minha direção. Mais famintos que seu estômago! Talvez ela até questionasse meu nome, minha origem, meus amigos, meus gostos... mas eu nunca tive tempo!

Há duas semanas atrás, percebi que algo havia mudado no quadro matutino de sua 'casa'. Entrelaçado ao seu, estava outro corpo. Tão igual ao seu que quase se confundiam: esqueléticos, sujos, maltrapilhos... e entrelaçados.

Ali, naquela varandinha de uma casa abandonada,à beira da rua, no único espaço que lhes cabiam ocupar, trocavam carícias com os dedos enrugados e sujos, pouco mais que garras em busca de alimento. Ali percebi que a condição humana indignamente tratada, encontrava e tomava posse da essência da vida. Os bruscos gestos de carinho mostravam aos transeuntes, que se amavam. Em suas misérias haviam se encontrado. E as partilhavam. Alheios ao resto do mundo, à fome, ao frio, à quase nudez,  distribuíam sorrisos um ao outro, em meio a uma e outra carícia.

O amor os encontrou. Fez ali sua morada. Naquela varandinha de uma casa abandonada. Junto à rua. E foi capaz de saber e partilhar seus nomes.


Jean Lucy Toledo Vieira
jean.csdb@hotmail.com

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