Que O caçador de Pipas de Khaled Hosseini impressiona não é nenhuma novidade, os números estão aí pra mostrar a veracidade dos fatos. O estrondoso fenômeno literário, agora estampado nas telas do cinema em cores tão reais como as da realidade que nos cerca vem mexendo com muita gente.
A adaptação cinematográfica cumpre com seu papel, embora, a meu ver, tenha deixado de lado alguns aspectos profundamente importantes e que dão à história o caráter humano tão marcante que a torna única. Mas não quero aqui discorrer acerca do que deveria ou não ir para a tela e sim abordar elementos, arquétipos profundamente inerentes ao ser humano, que Housseini dilui em seu texto de tal forma que faz com que sua obra nos toque no mais profundo do que somos.
Exteriorizar sentimentos sempre foi uma tentativa humana ao longo dos séculos e a Arte até hoje talvez seja a forma mais verossímil de tal intento. Música, Literatura, Cinema, Artes Plásticas… estão sempre em busca de deixar no tempo as marcas da existência, na tentativa de traduzir concretamente o que somos. E, quando encontramos algo que nos mostra faces do que somos, nos enternecemos, pois a busca por nossa essência é maior do que podemos imaginar.
Ao tratar de forma magistral elementos como amor, amizade, bondade, gratidão, Housseini, em meio ao mundo caótico que vivemos, interior e exteriormente, nos fala de possibilidades. Os diálogos diretos apresentados em seu texto nos deixam, por vezes, paralisados diante de situações limites, que traduzem o que muitas vezes vivenciamos. Estamos o tempo todo ali, nas páginas do romance, nas cores da tela.
Amir aprende que fugir nunca é a solução. A dor da culpa o faz abandonar Hassan, o protótipo da bondade. Mas paradoxalmente a ausência do outro é cheia de presença: seus fantasmas não ficaram para trás, estão consigo. Aprende quando já se sente destroçado, em ruínas, como as ruas de sua cidade natal. Ao ver a realidade externa, na verdade, Amir enxerga o que carrega em si ao longo dos tempos: ruínas. Mas aprende também, mesmo não admitindo a princípio, que sempre há uma segunda chance para se ser bom. Sempre há um recomeço para quem está disposto a perfazer os caminhos que não trilhou, para se exercitar o que sempre teve medo e que sempre foi necessário.
O caçador de pipas fala sobre a vida em suas várias nuances, por isso impressiona. Fala do que buscamos, por isso atrai. Fala de infância, não a cronológica que acaba com o tempo, mas aborda os aspectos kairológicos de uma infância que precisa vir a ser. Mesmo que se descubra isso aos trinta e poucos anos. Hosseini fala ainda do que preferimos omitir: covardia, fraquezas, limitações. Infelicidade. E, diante da possibilidade de se fazer o que sempre se quis, mas não se teve coragem, suas personagens se tornam prospectos de um eu, de um tu que diante do texto, da tela de cinema, emudecem e deixam que a arte fale do que somos, do que queríamos ser.
O caçador de pipas, na verdade, é um caçador de si mesmo que teve a oportunidade de se encontrar nas linhas do tempo. E que nos questiona a realizarmos nossas próprias buscas, talvez em escombros maiores que os que a obra apresenta.
Jean Lucy Toledo Vieira
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