Tenho sofrido irremediavelmente de ausência poética! Já consultei os melhores profissionais no assunto e sempre me recomendam a mesma coisa: poesia pela manhã, olhares perdidos ao entardecer, cultivo de flores nos fins de semana, observação de pássaros três vezes ao dia. O tratamento precisa ser intensivo para que a doença não se agrave.
Confesso que a preocupação me atingiu em cheio. Passei dias em claro e noites em sonhos. Gota a gota absorvi cada verso, cada rima, cada contraste em meu caminho. E não fizeram muito efeito. Augusto dos Anjos me visitou outro dia com seus Eu e todas as outras poesias. Severino me falou de uma tal morte e vida. Conversa pesada demais para manhãs de domingo. Até a cachorra Baleia deitou-se aos meus pés. Cansada. Sem horizontes. Queria extravasar seu amor e sua fúria por Fabiano, mas nenhum ganido partiu de sua boca seca e seus olhos murchos.
Percorri de pés descalços e cabelos ao vento trilhas longas e íngremes. Levei canções como companheiras ao longo da caminhada e, em minha bolsa, folhas avulsas guardando palavras soltas, prontas para a composição de poesias, caso surgisse algum imprevisto. Mas meus sintomas eram graves demais para que tais poesias fossem geradas. Gemiam em dores de parto, incapazes de nascimento.
Agora aqui estou. Vácuo me preenchendo, em agonia extrema. Sol se pondo mais uma vez, relógio chamando, pés cansados. Vento frio em sonhos secos.